Tuesday, April 18, 2006

"Tantas coisas

na minha vida tinham mudado, até o meu aspecto; mas quando desembrulhei a traça do seu sudário do funeral, era a mesma espantosamente bela criatura que no dia em que a enterrara. Parecia estar a usar um vestido em tons suaves de cinzento e castanhos(...). Tudo acerca dela parecia belo e perfeito, e tão completamente imutável. Se apenas uma coisa na minha vida tivesse sido a mesma durante aquela minha primeira semana em Quioto... Enquanto pensava nisto a minha mente começou a girar como um turbilhão. Impressionou-me que nós - a traça e eu - fossemos dois extremos opostos. A minha existência era tão instável como a de um ribeiro, mudando de todas as maneiras; mas a traça era uma peça de pedra, não mudando em nada. Enquanto pensava este pensamento, estiquei um dedo para sentir a superfície aveludada da traça; mas quando a esfreguei com a ponta do dedo, mudou-se imediatamente numa pilha de cinzas sem um som sequer, sem querer um momento em que eu a pudesse ver desmoronar-se. (...) e agora compreendi a coisa que tinha andado a intrigar-me durante a manhã toda. O ar bafiento foi-se embora lavado. O passado tinha desaparecido. O meu pai e aminha mãe estavam mortos e não havia nada que eu pudesse fazer para mudar isso. Mas suponho que durante o último ano também tinha andado morta. E a minha irmã... sim, ela tinha-se ido embora; mas eu não. (...) senti como se me tivesse virado para olhar numa direcção diferente, de maneira que já não olhava para trás, para o passado, mas para a frente em direcção ao futuro. E agora a pergunta que me confrontava era esta: o que iria ser esse futuro?"

In Memórias de uma gueixa
Arthur Golden

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