Saturday, February 04, 2006

Conto

Lucinda era uma donzela do século XV, de boas famílias de origem nobre. Vivia num palácio rodeado por imensos prados verdes, de um verde luminoso que lhe iluminava o rosto. As flores rodeavam a varanda do seu quarto. Lucinda gostava muito das suas flores, que alegravam os seus dias, e eram a única coisa que conseguia secar os seus olhos molhados.
Os seus dias eram artificiais e confusos, nas festas da corte tinha de inventar sempre um sorriso, e dançar com os rapazes mais bonitos, mas nada disso a preenchia.
À noite, sozinha no seu quarto, sentia a sua vida passar. Cada segundo que o relógio indicava, entravam dentro do seu ser e deixavam-na triste, sem razões para continuar. Tinha tudo para ser feliz. Só uma coisa não a fazia desistir: dentro dela, o seu mundo, era em tudo diferente deste em que ela vivia.
Sem saber onde estava, nem para onde ia, o mais importante é que sabia o que queria. Nem as festas da corte, nem os vestidos a faziam sorrir. Sim, porque um verdadeiro sorriso, não significava só sorrir com os lábios, mas sim com os olhos.
Vivia à espera de um grande amor, de um amor que a fizesse voar, que completasse todo o seu corpo, um amor que fizesse cantar a sua alma.
As únicas viagens que gostava, eram as que fazia ao interior de si própria, era aí que se descobria, era aí que ela sorria e sonhava com o seu amor.
Procurava um sentimento mais alto, às vezes corria pelos prados e deitava-se ao sol, buscando nele e na natureza, o seu relógio.
Brincava com os pássaros, entrava nos seus cantos, parecia até falar com eles. Contava-lhes os seus desejos, confessava-lhes o seu amor, explicava-lhes que queria com todas as suas forças encontrar o seu grande amor, e este não era o que o seu pai tinha ambicionado para ela.
A vida era muito mais fascinante e misteriosa cantada e sentida a dois.
Existia um rapaz, que ela uma vez tinha visto, numa ida à cidade, nunca se tinham visto, mas houve um olhar, um simples olhar livre de tudo. Este olhar enchia os seus dias, completava-os.
Nos seus sonhos, era aquele olhar que a fazia feliz, era nele que apostava a mudança da sua vida.
Aquele olhar, era de um rapaz que vivia na cidade, de seu nome Leonel.
A sua vida era difícil. Tinha o dia todo ocupado. A sua única satisfação eram as estrelas e a lua. A noite era o único espaço de tempo que ele podia sentar-se a contemplá-los. Ao olhar para a lua, sentia aquele olhar a sorrir-lhe, aquela simplicidade que iluminava as próprias estrelas. O sol, não o admirava, fazia-o ver o mundo no qual não se integrava. Sentia que a sua essência não o chamava para este mundo. Tudo era mecânico e monótono, nada o preenchia. Só o estar vivo e respirar vida, lhe fazia transpirar de alegria. E deitar-se à noite, na relva e invocar as estrelas, em todas encontrava o sorriso de Lucinda.
Dava tudo para buscá-la e amá-la, para a sentir e para a abraçar, numa profunda comunhão, como as estrelas, e fugir, correr pelos prados.
Muito tempo passaram os dois, a viver nesta situação. Leonel não tinha outro pensamento, senão o sorriso de Lucinda e o modo como este iluminava o céu, tal como as estrelas na sua noite.
Era para ela que ele vivia.
O mesmo acontecia com Lucinda. Leonel (soubera o seu nome por uma das criadas de seu pai), era a sua própria vida, todo o seu contentamento, toda a sua única alegria de viver.
Os dois sonhavam juntos, um no outro, um de dia, outro à noite, nenhum dos dois pensava obter correspondência. Lucinda não sonhava que Leonel um dia pudesse chegar perto de si.
Enquanto isto, Leonel tentava todos os dias, apanhar uma carruagem e infiltrar-se no palácio de Lucinda, confessar-lhe o seu amor. O tempo passava e cada vez maior se tornava o seu desejo.

3 comments:

ricardo said...

:D
gostei!

João said...

Hum, que bela prosa romântica :) é para continuar, certo? ;)

GMSMC said...

Só houve uma coisa que não entendi: se era no século XV, como é que havia relógios com ponteiros de segundos
Mas de resto está giro, parabéns.